Naquela loja de cds do centro da cidade, enquanto os meus olhos deslizavam sobre os discos de vinil, aquele cara abriu a porta de vidro com os olhos enfiados numa expressão melancólica. O ruído da porta me fez olhar para trás e observar quem se aproximava. Na verdade, neste dia, eu estava especialmente disposta a não prestar atenção em nada que não fossem os discos que eu procurava e o cheiro do café forte que vinha do fundo da loja. Café forte do jeito que eu sempre gostei: queimando na língua as frases ainda não ditas. Mas o cara estava lá e não deu para não reparar nas olheiras que ele carregava embaixo dos olhos. Quase como se estivesse tentando dizer: "Me dê um cd de Oxford gravado em 92, um café e troco pra 50".

Eu não estava ali para prestar atenção na conversa dele com o vendedor, no livro que ele segurava, ou na maneira despretensiosa com que ele disse: "Quero só o The Bends hoje." Pensei que ele tinha mesmo cara de quem ouve Radiohead. Isso enquanto eu fingia ler a contracapa de um disco que eu já tenho.
Eu não estava lá para me distrair com os óculos dele, mas, mesmo assim, não deu para não perceber que ele preferiu o café sem açúcar. E ainda comentou com o atendente que gosta do café forte e puro. Bem assim ele disse. Eu prestei atenção. Quer dizer, enquanto olhava a mesma pilha de discos pela segunda ou terceira vez.

Engraçado como algumas pessoas conseguem demonstrar facilmente o tipo de música que gostam em pequenas atitudes. O tipo de pessoa que consegue desenhar no rosto a capa do cd preferido. É como ter certeza que durante o verão dos dezenove anos o cd que mais tocou foi aquele no Nirvana.

E foi mais ou menos assim que eu tive vontade de conversar com esse cara que segurava um livro de capa verde, bebia seu café forte e puro e assobiava uma das minhas músicas preferidas. Perdido no mesmo mundo que eu, com algum mistério nas mãos.

Peguei meu café e sentei-me ao lado da janela só para ver a chuva da cidade cinza e os carros com os vidros fechados. Três da tarde de uma sexta-feira em que eu saí para comprar um disco e acabei comprando só um café. Um copo médio que acompanhava observações pessoais e os gostos musicais de um estranho.

Tudo ali, bem posicionado. Ele em pé assobiando e eu pensando quantas cartas de amor são escritas e rasgadas ao som de Damien Rice. Que das coisas que a escola não ensina, grandes lições estão fracionadas em encartes de cds. E que as respostas para um amor mal resolvido podem não estar em discussões passionais, mas no lado B de um disco de 72.

Tomei o último gole de café e apoiei meu queixo na mão. E aí, antes que eu me desse conta, ele pediu licença, sentou-se à minha frente e surpreendeu o inevitável:

"Você já tem todos aqueles álbuns dos Beatles, certo?"
_

Um Comentário