O adeus chegou sorrateiro e quieto, um silêncio que calava a minha boca. Você atendeu o telefone e eu soube que não havia mais desenho em seu rosto, nem circo para fingir ser engraçado. Não havia nada além dos sentimentos que você não sentia. A realidade foi dura e me pegou pelo braço.

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* Imagem : Weheartit

A tua boca acesa e os teus olhares longos, eu me lembro bem. Eu sinto ainda. Ainda vejo as estrelas no céu do quarto, a pele iluminada, o corpo limitado, a razão fugindo pelas bordas. Os teus pêlos rastejantes, a pele morena, a ousadia plena dos escorpianos. O querer reverso, sem flores, sem muitas palavras, sem esquinas e sem quarteirões. Uma rua só nossa se abrindo na retina. Muito fôlego, vermelhos imensos , paixão, lençóis, batons.  Tecidos descomportados na cama box. Arrepios na nunca, calcinha nos pés, mãos andantes a passos largos. Os teus olhos acesos, a tua passada longa, eu lembro bem. Eu sinto ainda.



Pego a minha mala do chão. Mais uma vez vou embora. Você está em sua casa, em seu lugar, seguro. E sou eu quem precisa sair. Não há mais conversa, nem mesmo discussão. Acabou e você determinou essa partida ao meio. Faço o que tenho que fazer e caminho em frente.
Ah, eu estou tão cansada de me despedir. De ter que seguir em frente deixando algo que amo. Eu saio sozinha, mas na verdade sou eu que sou deixada. Meu coração ainda não se recuperou do que viveu, mas precisa se erguer. Meu corpo ainda caminha torto, minha mente ainda queima nos pensamentos insistentes, mas acabou.
O que importa agora são minhas coisas, minhas cores, minhas malas dentro de casa - em segurança. 


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Estou suja. Tocada por suas mãos desamorosas.
Você foi embora deixando nos cantos dos meus braços suas digitais. E abraçou para soltar em seguida.

Tuas marcas insensíveis, teu descuido em machucar e tua forma de dizer não te fazem parecer modesto e atencioso. Mas a verdade é que a sutileza também dói. 
Estou suja. Suja de desamor.

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*Imagem: Maud Chalard

Qualquer dia desses, teus olhos. Eu na mira da tua boca, do teu corpo, da tua chama. Qualquer dia desses, eu, acesa. Lolita, fome, fato, pacote embrulhado para presente.

Qualquer dia desses, nós outra vez. O mesmo relógio no teu pulso, o mesmo carro, as mesmas noites torrenciais de chuva e abrigo. De estrada a fora.

Qualquer dia desses, meus olhos. Você na mira da minha boca, meu corpo, minha chama. E a gente derruba tudo, bagunça tudo.  Eu só fui muralha até você chegar.

Qualquer dia desses, roupas pelo chão.  Saudade suada, abrindo botões, portões, janelas.
Qualquer dia desses, teus olhos de novo. Numa praça, numa rua, num shopping. Através do vidro, entre o vestido e a minha pele.

O coração reconhece.