Não precisa falar nada. Às vezes as coisas apenas são como são. Não precisa citar sua frase preferida de um livro para tentar me explicar que a dor é passageira como um pássaro que sai da gaiola. Nem precisa se sentar, não precisa abrir as suas mãos, você não tem que me preparar um chá ou cuidar de mim. Dói, sim. E estas lembranças continuam amargas mesmo que o caramelo dos teus olhos tente me acalmar.
Pode ficar quieto. Apenas ouça, é o que eu preciso. Na verdade eu só desejo falar e você pode fazer o que quiser com isso. Tenho estado nesta prisão de mim mesma há meses. Não pude sair para ver o Sol brilhando em minhas pupilas grandes; não tive permissão para me encarar e dizer as verdades bem escondidinhas em meus sutiãs; não falei comigo mesma sobre o dia em que você foi embora. Sabe como é quando você sabe que está errando consigo mesmo e você continua e continua porque, afinal, quer que a tristeza fique lá no canto? Como quando fechamos as janelas e fingimos que não é dia. Eu não atravessei a rua da sua casa e passei longe de todos os restaurantes que você adora. Eu gostava muito daquele que fica quase na esquina da Consolação, mas também não fui. Mesmo amando aquele milk shake eu não fui. Me sentar novamente onde nos olhávamos iria doer de novo a ferida rasgada em uma quinta-feira. Não sei se você se lembra, ainda não era Verão. Os pássaros cantavam no meio da tarde, borboletas visitavam os quintais, havia esperança nos perfumes das flores e meu coração acreditava que era feliz.
De tudo isso eu lembro. Digo agora porque não há garganta no mundo que suporte mais calar a tristeza que você me fez passar. Mas veja que em minha voz não tenho raiva. É a constatação de um momento que surgiu em minha vida como um trem que atravessa um trilho enferrujado.
Quando acabou eu não liguei o rádio. Houve silêncio. E depois lágrimas quietas foram interrompidas por um pranto que trazia grito e o susto de últimas palavras não terminadas. Suas reticências naquela noite só queriam dizer para que eu me tornasse muda. Com um tom de voz com o qual eu nunca havia ouvido você falar, dizia o quanto eu era errada para você.
Nesse ponto você já sabe o que foi que causou meus dias expostos na ferida. Foi para sangrar que você me pediu paz.

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